Mato Grosso em nova polêmica carnavalesca no papel de vilão

Texto e foto de Valéria del Cueto

Dá para acreditar? Todo mundo no mesmo saco, um estado inteiro no erro? Nada disso!

Assim se criam as polêmicas virais. Uma informação retirada do contexto. A afirmação categórica que a unidade é o todo. Com um tom de indignação se desconstrói o conceito previamente deturpado.

Enredo pobre e medíocre é assim. Eis a indignada manchete com o conteúdo seguindo o script: “Escola de samba do RJ vai criticar agro na Sapucaí”. As reações nas redes sociais, diante do apresentado, foram superlativas. Negativas em sua esmagadora maioria. Com ampla utilização de termos chulos, preconceitos variados explícitos e assinados contra a escola, o carnaval, o povo carioca e o Rio de Janeiro como um todo. Só a página que repercutiu o alerta indignado original teve mais 700 comentários até o fechamento desta edição. Muitos impublicáveis em veículos de comunicação.

Agora, o Rio é a Geni. Aquela em que jogam pedras depois de vários enredos carnavalescos, patrocinados ou não, muito bem-sucedidos sobre o agronegócio.  “Parábola dos Divinos Semeadores”, em 2011, pela Mocidade Independente de Padre Miguel (CNA). “A Vila canta o Brasil, celeiro do Mundo”, deu o último campeonato à azul e branca, em 2013 (Basf). O vice-campeonato de 2016 foi da Unidos da Tijuca com “Semeando Sorriso, a Tijuca festeja o solo sagrado”.

Foi neste último que vimos passar pela avenida as matas que seriam derrubadas, arados, colheitadeiras,  aviões agrícolas para aplicação de defensivos. E, sim, uma fantasia similar a uma das que estão causando protestos. As composições de carro com lindas larvas do último carnaval reaparecem numa ala chamada “fazendeiros e seus agrotóxicos”. Mas lá podia…

Unidos da Tijuca, vice campeã de 2016

Imperatriz 2017

“Olhos da cobiça” e “Doenças e pragas” fantasias de alas comerciais, são apresentadas como provas cabais de que o enredo de 2017 da Imperatriz é inimiga mortal do agronegócio. Três fantasias num universo de mais de 30 alas num total 5 mil componentes fazem o link megalômano, um canal suficiente para defenestrar e destruir o universo inteiro do carnaval e botar no mesmo balaio de (pré)conceitos todos os envolvidos no processo e adjacências.

Mato Grosso em nova polêmica carnavalesca provocada pelo enredo sobre o Xingu

Mas afinal, qual o enredo da escola de Ramos? “Xingu, o clamor que vem da floresta”. Cá entre nós, serão todos os agricultores do Brasil os vilões citados no samba enredo que diz que “o belo monstro rouba a terra de seus filhos, devora e seca as matas e seca os rios, tanta riqueza que a cobiça destruiu”? Ou seria… Belo Monte, a usina hidrelétrica?

O que será pior: quem veste a carapuça de destruidor do meio ambiente ou quem deveria reconhecer que, por não ter feito a lição de casa, novamente a nota de interpretação de texto não dá pra passar de ano?

A direção da Imperatriz Leopoldinense não vai se manifestar sobre o episódio.

impleop-150221-138-carnavalesco-cahe-rodrigues

Com a palavra Cahê Rodrigues, carnavalesco e autor do enredo da Imperatriz Leopoldinense

Você esperava uma reação dessa proporção do “agro” ao  enredo?

Sempre me preocupo muito com uma mensagem de amor e paz. Fujo de todo tipo de polêmica, de agressão ao próximo. Eu nunca fui um carnavalesco de entrar em polêmicas. Desde o início o objetivo desse tema foi exaltar os povos do Xingu dando voz a esses índios que lutam durante tanto tempo, tantas décadas, em prol da sua liberdade, do respeito com a sua terra, pela sua cultura, pelo seu povo. A proposta do enredo da Imperatriz é uma exaltação aos índios do Xingu. Eu realmente não esperava, uma repercussão negativa na área do agronegócio.

O enredo do Xingu é um enredo patrocinado?

Esse ano a Imperatriz não teve nenhuma proposta de enredo patrocinado. Trouxe três ideias de enredo como eu sempre faço. E, é claro, que eu tinha um carinho especial por esse tema do Xingu, porque já era um desejo meu de um dia poder exaltar os índios em algum dos meus enredos.

O agronegócio é um tema muito explorado no carnaval carioca…

Várias escolas já fizeram carnavais muito bem-sucedidos homenageando o agronegócio. A própria Imperatriz, no último carnaval fez uma homenagem a vida do sertanejo, a vida do caipira. Exaltou o trabalho do agronegócio, dos agricultores, na figura do caipira, do homem do campo e com muito orgulho levou essa história para o sambódromo.

Alguém do setor te procurou para dialogar ou pedir informações sobre a abordagem do enredo?

Ninguém me procurou pessoalmente, podem ter procurado a assessoria de imprensa da escola. Para mim ninguém ligou. Acho um pouco demais e desnecessária a posição agressiva de algumas pessoas que desconhecem a proposta de carnaval da Imperatriz e estão falando bobagens e coisas sem sentido, agredindo o carnaval da Imperatriz e o carnaval carioca.

Essas pessoas realmente não devem ter conhecimento da grandiosidade que essa festa representa para o país, o número de empregos que o carnaval gera o ano inteiro. Eu não tenho o que falar, o que responder para essas pessoas que realmente estão a fim de aparecer e de agredir desnecessariamente uma escola que está fazendo um projeto lindo, um projeto de respeito ao ser humano.

Um projeto que pretende exaltar não só os índios do Xingu, mas todo indígena brasileiro. Esse enredo é uma ode a todos os índios do Brasil, não só os índios do Xingu e, infelizmente, eu não tenho como mudar a história. A proposta do enredo não é agredir ninguém, mas eu não vou omitir nem vou deixar de mostrar na avenida aquilo que de fato agride, sim, a vida do índio. Ele depende da floresta para sobreviver, depende da água para pescar o seu peixe e o índio depende do ar puro para respirar assim como todos nós. O índio depende desse verde. Por isso o clamor da floresta que a Imperatriz vai levar para a avenida é para que todos possam olhar para as nações indígenas do Brasil com respeito e com o carinho que eles merecem.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “É carnaval”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

Samba enredo

Compositores: Moisés Santiago, Adriano Ganso, Jorge do Finge e Aldir Senna

BRILHOU… A COROA NA LUZ DO LUAR!
NOS TRONCOS A ETERNIDADE… A REZA E A MAGIA DO PAJÉ!
NA ALDEIA COM FLAUTAS E MARACÁS
KUARUP É FESTA, LOUVOR EM RITUAIS
NA FLORESTA… HARMONIA, A VIDA A BROTAR
SINFONIA DE CORES E CANTOS NO AR
O PARAÍSO FEZ AQUI O SEU LUGAR
JARDIM SAGRADO O CARAÍBA DESCOBRIU
SANGRA O CORAÇÃO DO MEU BRASIL
O BELO MONSTRO ROUBA AS TERRAS DOS SEUS FILHOS
DEVORA AS MATAS E SECA OS RIOS
TANTA RIQUEZA QUE A COBIÇA DESTRUIU

SOU O FILHO ESQUECIDO DO MUNDO
MINHA COR É VERMELHA DE DOR
O MEU CANTO É BRAVO E FORTE
MAS É HINO DE PAZ E AMOR

SOU GUERREIRO IMORTAL DERRADEIRO
DESTE CHÃO O SENHOR VERDADEIRO
SEMENTE EU SOU A PRIMEIRA
DA PURA ALMA BRASILEIRA

JAMAIS SE CURVAR, LUTAR E APRENDER
ESCUTA MENINO, RAONI ENSINOU
LIBERDADE É O NOSSO DESTINO
MEMÓRIA SAGRADA, RAZÃO DE VIVER
ANDAR ONDE NINGÚEM ANDOU
CHEGAR AONDE NINGUÉM CHEGOU
LEMBRAR A CORAGEM E O AMOR DOS IRMÃOS
E OUTROS HERÓIS GUARDIÕES
AVENTURAS DE FÉ E PAIXÃO
O SONHO DE INTEGRAR UMA NAÇÃO
KARARAÔ… KARARAÔ… O ÍNDIO LUTA PELA SUA TERRA
DA IMPERATRIZ VEM O SEU GRITO DE GUERRA!

SALVE O VERDE DO XINGU… A ESPERANÇA
A SEMENTE DO AMANHÃ… HERANÇA
O CLAMOR DA NATUREZA
A NOSSA VOZ VAI ECOAR… PRESERVAR!

ILUSTRADO SEGUNDA A SÁBADO 2016.indd

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *